Tem vezes que eu sinto que meu corpo vira um quebra-cabeças, daqueles de peças miúdas e em grande quantidade. Olho e não sei por onde começar. Sei que todas as peças se encaixam, de forma perfeita. Também sei que estas peças, quando juntas, formam algo magnífico e viram motivo de orgulho. Mas apenas saber não me alivia ou constrói. Precisa de tempo, cautela e concentração para formar um uno.
Conheço bem as peças da borda do meu quebra-cabeças. São fáceis de reconhecer, já que um dos lados delas é reto – para formar a borda. Começar pelas beiradas. Começar pelo básico, pelo óbvio, pela superfície. Pensando nas minhas obviedades, percebo o quão suscetível de ser mal interpretada estou: logo ali, na superfície do meu ser, encontram-se peças que caracterizam uma sensibilidade fora do comum, uma intensidade de difícil compreensão, uma sinceridade por vezes amarga e atitudes inocentes confundidas com maldade.
Será que alguém consegue entender? Claro que não. Quem me olha apenas nas beiradas enxerga uma moldura até que firme e bem estabelecida, mas ainda vê peças embaralhadas no meio, peças esperando para serem encaixadas, esperando seu par, seu trio, seu contexto. Ainda não consegue enxergar o todo. Está longe disso, na verdade. Estive pensando e concluí que posso contar nos dedos quantas são as pessoas que montaram o meu quebra-cabeças até o final. Poucas. Muito poucas.
Fico incomodada ao pensar que a maioria enxerga apenas a minha moldura. É um pouco angustiante. E essa angústia é uma das peças misturadas ali no meio, que se encaixa com outros sentimentos não tão nobres. Peças importantes, eu diria. São elas que revelam minhas dificuldades, minhas inseguranças, meus medos e minhas sombras. Há quem desista de procurar encaixe para elas. Eu procuro encaixá-las o mais rápido possível.
Olho peça por peça, numa minúcia perfeccionista. Quero ver o que carrego. Quero ver o bom e o ruim. Quero saber reconhecer cada encaixe, cada contorno, cada cor e cada tom. Quero me bastar. Quero construir sozinha o meu próprio enigma. Não quero depender da exposição da minha caixa de quebra-cabeças e esperar que alguém, ao ver a embalagem, se interesse em montá-lo. Monto eu.
Não quero mais ser incompleta. Não quero deixar nenhuma peça de lado. Quero encontrar o encaixe do que é meu. Quero ver o desenho que se forma a cada etapa. Quero uma construção lenta e progressiva, rumo ao que possa ser considerado o fim do quebra-cabeças. O engraçado é que mesmo após montado, o quebra-cabeças continua frágil. Alguém pode passar por ali e destruir tudo. Mas talvez esta seja a graça do jogo: poder começar tudo de novo.